segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

A LEITURA DE MUNDO PRECEDE A LEITURA DA PALAVRA (P. Freire)

O significado da expressão "a leitura do mundo" precede a leitura da palavra de Paulo Freire
Paulo Freire, pensador brasileiro, afirma que a leitura do mundo precede a leitura da palavra. Antes de ler a palavra, a criança lê o mundo através de gestos, olhares, expressões faciais, do cheiro, do tato, do olfato.Como qualquer leitura é uma produção de sentido, as crianças procuram criar sentidos para o mundo que o rodeia.Através desta "leitura do mundo" as crianças começam a perceber as relações espaciais existentes, as relações de afeto, observam que cada coisa ocupa um lugar e tem um nome, manifestam preferência e rejeições...É no contato com "outro", e com o "mundo" que a criança constrói símbolos, inicialmente muito singulares e próprios até chegarem a se construir em significados compartilhados socialmente.Neste sentido, antes de ler a palavra, a criança já vivenciou diversas leituras do mundo.

As diferentes linguagens sobre a leitura de mundo de cada um
A partir do momento em que a criança vai percebendo o que está à sua volta , as diferentes linguagens que a cercam , começa a ampliar sua visão de mundo.Uma criança que vê filmes, novelas, desenhos animados, lê livros, participa de atividades. variadas, que conta, dramatiza, enfim, que utiliza as várias linguagens, amplia seus horizontes, sua visão do mundo. Quanto mais experiências ele tem, mais ele cresce.

A leitura de mundo e a interferência na leitura da palavra:

Partindo de um exemplo típico utilizado em cartilhas: "O vovô viu a uva" Imagine que a criança não conheça um avô ou que de fruta ela só conheça a banana.Vai ficar difícil para ela levantar hipóteses sobre a leitura partindo da sua vivência, se no caso ela nunca vivenciou o que foi mostrado.Fica mais fácil, então, lidar com uma frase da criança, daquele grupo especifico; possivelmente essa frase será endentida por todos, será mais real, autêntico. As crianças poderão levantar hipóteses, discutir e chegar à leitura das palavras.

O cruzamento da leitura de mundo e da leitura da palavra:

As leituras do mundo variam de pessoa para pessoa. A leitura de mundo de cada um interfere na produção de sentido.Se um mesmo texto for lido por várias pessoas, cada um terá lido o texto à sua maneira, de acordo com sua visão de mundo, os sub-textos que estão inscrito em nós mesmo. Então, a leitura de mundo e a leitura da palavra vão sempre estar intercruzadas. As nossas leituras nunca vão ser iguais, são singulares sempre.Segundo Barthes, teremos quantos escrituras, quantos escritores, quantos leitores tivermos

A importância do texto imagético no trabalho com a leitura:

A imagem sempre fez parte da vida do ser humano. No tempo das cavernas o homem já tentava representar a vida através dos desenhos. A imagem é um signo da gênese da comunicação. Mas através da eletrônica, ela nos assusta muito, porque é muito sedutora. Ela é total, universal e pode ser estendida por seres de culturas diferentes.O texto escrito e o texto televisivo usam códigos diferentes e exigem outras formas de comunicação. A escola ao invés de abrir mão ou afastar a televisão, deveria estabelecer parcerias. Levar a criança a perceber como é que se "faz" "para" televisão. Até para isso é preciso escrever...e escrever bem!É importante perceber que o texto escrito, a imagem, os gestos e os sons... se complementam e que a imagem televisão, se for trabalhada, amplia a visão do mundo, abre novos horizontes.
Interesse pela leitura nas crianças:

Se a leitura do mundo precede a leitura da palavra, o interesse da criança pela leitura só será despertado se os textos apresentados tiverem relação com a realidade vivida por ela. É importante favorecer a junção da leitura da palavra com a leitura do mundo. Como diz Paulo Freire deve-se incentivar a leitura da "palavra-mundo".As cartilhas, por exemplo, lidam com textos desvinculados da vida, graduados de acordo com uma hipotética organização de fonemas em ordem de dificuldade, de forma artificial. Na realidade nem se pode considerar como textos as frases desconexas das cartilhas.O interesse pela leitura deve ser estimulado a partir de diferentes textos, revistas, literatura infantil, jornais, propaganda, cartazes, avisos, textos coletivos e individuais produzidos pelos alunos, enfim por todas as formas de linguagem que sejam portadoras de sentido.A cartilha e os livros didáticos, em geral, podem ser usados, porém, estabelecendo-se critérios para seu uso e selecionando-se textos adequados e interessantes.Todo e qualquer tipo de material de leitura deve ser levado para a sala de aula e não apenas o material convencional (cartilhas e livros didáticos).Quanto mais contato o aluno tiver com os diferentes textos, mais fascinado ficará pelo mundo da leitura e mais facilidade terá para entender os usos sociais da leitura e da escrita.

A leitura e a escrita em classes de educação infantil:

A leitura / escrita devem estar presentes no ambiente das classes de educação infantil. É importante que crianças, nesta faixa etária , manipulem material escrito para que possam levantar hipóteses sobre o processo de construção da leitura e da escrita.O professor deve realizar atos de ler / escrever para que seus alunos percebam os usos e funções da leitura / escrita.Também é fundamental deixar que as crianças menores façam, suas tentativas de ler/escrever livremente e expor os alunos a várias tipos de linguagens: desenho, dramatizações, televisão, filmes, danças, textos escritos sob várias formas, como receitas, bulas, histórias, avisos, anúncios, cartazes...Mais importante do que ensinar as vogais ou alfabeto nas classes de educação infantil é expor os alunos ao contato com a língua escrita e com as diferentes formas de linguagem.
O significado da expressão "pedagogia da imaginação":

A expressão pedagogia da imaginação foi cunhada em momentos diversos por dois grandes pensadores: o filósofo Bachielard e o escritor Ítalo Calvino.Bachelard define a imaginação como sendo a capacidade não de formar, mas de deformar imagens, criando-se outras imagens além daquilo que é percebido.Para este autor existe uma imaginação reprodutora que apenas reproduz o que é percebido e uma imaginação criadora, a verdadeira imaginação, que se descola do percebido e se liberta das amarras da realidade.Ítalo Calvino usa a expressão "pedagogia da imaginação" para definir um modo de trabalho que contempla imagens visuais e literárias.Segundo Calvino, a imaginação pode-se desenvolver através de imagens visuais tanto quanto de imagens literárias e, por estarmos hoje, num mundo cercado de imagens visuais não devemos deixar de usá-las para desenvolver a pedagogia de imaginação.A televisão, os vídeos, o cinema, os computadores lidam com imagens visuais não se podendo apartar, hoje, os alunos deste tipo de situação.Trabalhar, plenamente, a pedagogia da imaginação significa incorporar as imagens ao cotidiano escolar, exercitando o modo de lê-las criticamente e de criar novos textos imagéticos ou escritos a partir destas.
O conceito de leitura na visão de Paulo Freire:

Na visão de Paulo Freire, se compreendermos a ação de ler de modo amplo, veremos que ela se caracteriza pelas relações entre o indivíduo e o mundo que o cerca.A tentativa de impor ao mundo uma hierarquia qualquer de significados, representa, de antemão , uma "leitura".O real torna-se um "código" com suas leis e a revelação destas traduz uma modalidade de "leitura".Desde o início, esta "leitura de mundo" começa a ser realizada e é mediatizada pelo "outro", é fruto de interação.Qualquer leitura do mundo é uma produção de sentido relacionada com o momento e a situação vivida e como qualquer leitura ela, também, não está isolada no tempo e no espaço. Ela sempre se relacionará com outras leituras, com outros textos, inscritos pela vida, no leitor.A "leitura da palavra" está ligada à leitura propriamente dita, embora não possa estar afastada da "leitura de mundo".A leitura da palavra comporta dois níveis : leitura dialógica e leitura não dialógica, segundo Paulo Freire.
O significado de leitura não dialógica na visão de Paulo Freire:

A "leitura não dialógica" choca-se e entra em conflito com a "leitura de mundo" porque não comporta uma pluralidade de interpretações. Entendida como um código, cabe dicifrá-lo e isto é tudo o que importa. A leitura não dialogica não dá espaço à produção de sentidos e, se não se abre este espaço, se impede a dialogia, não há espaço para o sujeito-leitor.Em geral, esta leitura não dialógica informa práticas pedagógicas tradicionais e se ancora nas célebres cartilhas.Todos devem ler / ver o mesmo mundo consensual, harmônico, dividido entre bem e mal, cheio de regras e prescrições de bom comportamento, bom falar, etc... Além do mundo mostrado ser irreal é difícil lê-lo produzindo sentido através de textos que falem, por exemplo, do "Rato que rói a roupa de rei de Roma" ou de "Barata que come abóbora".Na pedagogia não dialógica, a grande maioria dos alunos fracassa porque suas experiências de vida (sua "leitura de mundo") são banidas de sala de aula e tornam-se decifradores de sinais, não leitores.
A leitura dialógica:

A leitura dialógica privilegia a interação. As "leituras de mundo" podem fluir e o espaço se abre para que a "leitura da palavra" seja um processo natural.Nessa visão, os textos lidos em aula são os textos produzidos pelos alunos. Eles são discutidos, comparados e muitas coisas são descobertas, até mesmo, por exemplo que a letra "R" de Renato é a mesma da Mariana, embora sejam pronunciadas de forma diferente. Descobrem-se coisas e mais coisas, sem uma ordem pré-determinada. Nesta leitura dialógica a produção de sentidos não fica aprisionada a uma ordenação de fonemas.Aberto o espaço do diálogo, encorajando-se as crianças a dizerem a "sua palavra" num processo interativo, aberto o espaço de interlocução as crianças têm oportunidade de apresentar sua "leitura de mundo" como diz Paulo Freire, sempre procede a " leitura da palavra".Se entendermos a relação entre "leitura do mundo"e "leitura da palavra" se abrirá o caminho para a interlocução entre o leitor e o texto e se houver espaço para a interlocução com o texto, abrir-se-á o caminho para a formação do leitor.
A utilização de livros de literatura em sala de aula:

O convívio com os livros de literatura, com diferentes textos, permitirão detonar as múltiplas visões que cada criação literária sugere e permitirão diversas interpretações que decorrem de "leitura de mundo" de cada um.Os livros de literatura, no entanto, devem ser utilizados, não como livros didáticos, pois neste caso, perderiam sua força.Repetindo Marisa Lajolo "o texto não pode ser pretexto para ensinar, para ser intermediário da aprendizagem, para ser dissecado em sua forma sintática ou ortográfica.A função dos textos literários é outra: trabalhando com a imagem simbólica do mundo que se de a conhecer, eles nunca se dão a conhecer de maneira completa, fechada. Eles exigem a intervenção do leitor.

2 comentários:

Unknown disse...

Muito bom, sua resenha, em qual livro de Paulo Freira esta citação" A leitura de mundo precede a leitura da palavra"? grata.

leme disse...

Livro: A importância do ato de ler.